sábado, 26 de fevereiro de 2011

(Alex Andreyev - Late)


Estou em casa, sozinha. Só o rádio tem voz.
Enquanto a música, baixinha, ao lado da cama, enche o quarto, leio histórias que, minhas, parecem tão distantes que não me reconheço mais nelas. As cicatrizes ainda estão abertas. E eu, fechada. Há frestas. Por elas, passam histórias incompletas. 
Em meus delírios, olho as pessoas que parecem saídas de um livro. O homem magro, que beija a moça baixa. Ele, personagem de Kafka. Ela, invasora do meu sonho, sem papel certo em uma história que nunca vou escrever.
O senhor no trem, de chapéu, me fez ter medo do futuro. Imagino que a moça, maquiada para trabalhar, tem passos duros e um dia de reclamações.
Como será o meu dia?
Planejei escrever e terminar um texto que parece infinito e impossível.
Tenho medo do que está por vir.
Não tenho fome, não tenho sede.
Só uma dor enjoada e a resistência em tomar remédio.
Leio de novo histórias antigas. Estou cheia delas e vazia de enunciados.
A cama desarrumada, os pratos na pia, o som do rádio e o cotidiano insistente.
Meus delírios, agora, parecem vindos de um lugar que não conheço. Mas é mentira. Os pensamentos são familiares, a dor é familiar, o meu rosto, mais velho e sóbrio, é tão meu que quase já não o vejo.
Não atendo o telefone e saio.
Não estou para ninguém. Nem para mim.

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